Destinados a Amar

Não fostes vós que Me escolhestes; fui Eu que vos escolhi e destinei, 
para que vades e deis fruto e o vosso fruto permaneça. 
E assim, tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, Ele vo-lo concederá. 
O que vos mando é que vos ameis uns aos outros».
cf. João 15,12-17.

Mau era o mundo em que todos pudessem fazer o que queriam, mau seria o mundo se fosse feito pelas nossas escolhas, pelo nosso peso e medida... seria aborrecido, quadrado, afunilado. Não seria bom!

(Um aparte:
A nossa cultura portuguesa está impregnada de «Fado». Fado, antes de ser música, é um termo que designa destino, sorte, fortuna. Creio que o Fado (música) foi buscar este termo por cantar o destino das gentes, recordando com melancolia e saudade o destino passado.)

Gosto de pensar nisto. Gosto de perceber se aquilo que vivo é escolha minha ou de Deus, se é o meu desejo e vontade ou se é de Deus. E às vezes apercebo-me que faço mais a minha vontade... então é hora de regressar a Deus!

Profetas Jeremias | Rembrandt
O profeta Jeremias - sobre o qual desenvolvi um longo trabalho na cadeira de Profetas - apercebe-se que aquela necessidade de profetizar não é dele e desvaloriza-se perante Deus. É um relato muito constante nos profetas... 

Mas vejamos o relato da vocação (chamamento) de Jeremias 1:
Assim veio a mim a palavra do Senhor, dizendo:
Antes que te formasse no ventre te conheci, e antes que saísses da mãe, te santifiquei; às nações te dei por profeta. 

Mais uma vez vemos que aqui é Deus quem chama e elege, mesmo antes de ter nascido, mesmo no seio da mãe. É bonito sabermos que o primeiro chamamento é o chamamento à vida. Deus chama à existência.

Segue o relato:
Então disse eu: Ah, Senhor DEUS! Eis que não sei falar; porque ainda sou um menino.

Quando leio este versículo lembro-me sempre do evangelho onde aqueles que Jesus convida para o seguirem dizem: «Deixa-me primeiro ir sepultar o meu pai», «deixa-me ir despedir da minha família». A desculpa aqui é que Jeremias seria apenas um jovem. Quantos de nós já não aprendeu tanto com as crianças e jovens? Eu aprendi e aprendo muito... Não há idade para se sentir chamado, ainda que algumas idades sejam difíceis para corresponder àquilo a que se é chamado.
E é engraçado perceber que é o mesmo Jeremias que, mais à frente, afirma que o Senhor o seduziu ele deixou, com a frase que dá título a este blog: «Seduziste-me, Senhor, e eu deixe-me seduzir» (Jer. 20, 7).

Mas Deus responde logo:
Mas o Senhor me disse: Não digas: Eu sou um menino; porque a todos a quem eu te enviar, irás; e tudo quanto te mandar, falarás.
Não temas diante deles; porque estou contigo para te livrar, diz o Senhor.

Quando se trata de dar um passo definitivo, as nossas reservas são muitas. É bom que nos sintamos incapazes de realizar esta ou aquela tarefa, é sinal de humildade. Mas é sinal de confiança quando a aceitamos, porque confiamos em Deus que acompanha o seu projecto. Creio que esta humildade e capacidade de duvidar das nossas próprias qualidades é um exercício que nos faz falta. Necessitamos de aprender a não ser o centro, a pensar que controlamos tudo. Como dizia um professor meu: «Podemos confiar tanto em nós mesmos e sentir-mo-nos o centro de tudo, mas vem Deus, dá uma patada na parede e tudo desaba». É verdade isto... ou como diz o povo, «Quanto mais alto se sobe, maior pode ser a queda!».

Mas bem, fazendo o paralelo entre Jeremias e o Evangelho de João. Deus é quem escolhe, disso não tenhamos dúvidas disto. Mas Deus escolhe-nos não 'porque sim', mas porque quer que frutifiquemos, que dêmos fruto e o fruto permaneça. E como se cuida, frutifica e permanece? No Amor! Simples...

Mas não o amor-paixão que vai e vem, não com o amor-paixão que quase sempre é momentâneo, que aparece, que se entristece e se troca por outro. Não, este amor de que Jesus fala é o amor-vida. É um amor que se manifesta na vida, um amor ais universal que nos leva a amar a todos, mesmo que esses todos não nos agradem muito. 

Jesus fala, também, de um amor-entrega. É um amor que se parte e reparte como ele fez. Se vamos a confrontar a nossa Igreja com as primeiras comunidades cristãs, desanimamos. O que os identificava era a alegria de poder amar. Era o comentário que se faziam aos cristãos: «Vede como eles se amam!». 

Hoje, ganhemos consciência que não estamos para fazer a nossa vontade, mesmo que o nosso projecto pessoal se coadune com o de Deus, ganhemos consciência de quem devemos seguir e responder, ganhemos consciência do que é o amor cristão: é vida, é entrega, é serviço e não uma mera paixão!

Não desperdicemos o dom de poder amar...

Pax Christi!

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