Entre a História e a Espiritualidade

Desde que estou de férias que aproveitei para fazer umas leituras que, no tempo de aulas, não tive tempo de as fazer.
Entre obras de São João Crisóstomo, vou lendo a obra poética de Sophia de Mello Breyner e ainda comecei a ler um romance histórico (mas acabei por emprestar o livro a uma afilhada que lhe achou piada). 

Não existe melhor sítio para ler a poesia de Sophia do que no lugar onde foi escrito e onde ela mesma se inspirou. Falo da Praia da Granja!!!

Estive na cada dela - hoje quase devoluta - por convite, e vi o sitio onde escrevia. Um sitio simples, despojado, mas com uma vista fantástica para a Praia da Granja. É como que um ermitério.

No tempo da Sophia o areal era maior, havia mais gente naquela praia, havia um outro clima, mas a vista continua a ser uma coisa impressionante e inspiradora. Não raras vezes vou lá para caminhar, para tomar café ou simplesmente para estar ali: faz-me bem, já que em Lisboa não me posso dar a esse luxo, dado que o mar fica longe.

Mas quando lá fui a casa da Sophia, quem me recebeu ofereceu-me um poema - não sei se por saber quem eu era -, intitulado 'A casa de Deus', datado de 1990.

Partilho convosco o poema e uma foto da paisagem:

A casa de Deus está assente no chão
Os seus alicerces mergulham na terra
A casa de Deus está na terra onde os homens estão
Sujeita como os homens à lei da gravidade
Porém como a alma dos homens trespassada
Pelo mistério e a palavra da leveza

Os homens a constroem com materiais
Que vão buscar à terra
Pedra vidro metal cimento cal
Com suas mãos e pensamento a constroem
Mãos certeiras de pedreiro
Mãos hábeis de carpinteiro
Mão exacta do pintor
Cálculo do engenheiro
Desenho e cálculo do arquitecto
Com matéria e luz e espaço a constroem
Com atenção e engenho e esforço e paixão a constroem

Esta casa é feita de matéria para habitação do espírito
Como o corpo do homem é feito de matéria e manifesta o espírito

A casa é construída no tempo
Mas aqui os homens se reúnem em nome do Eterno
Em nome da promessa antiquíssima feita por Deus a Abraão
A Moisés a David e a todos os profetas
Em nome da vida que dada por nós nos é dada

É uma casa que se situa na imanência
Atenta à beleza e à diversidade da imanência
Erguida no mundo que nos foi dado
Para nossa habitação nossa invenção nosso conhecimento
Os homens constroem na terra

Situada no tempo
Para habitação da eternidade

Aqui procuramos pensar reconhecer
Sem máscara ilusão ou disfarce
E procuramos manter nosso espírito atento
Liso como a página em branco

Aqui para além da morte da lacuna da perca e do desastre
Celebramos a Páscoa

Aqui celebramos a claridade
Porque Deus nos criou para a alegria.

A isto chamo aproveitar o tempo de férias e conhecer não só a história da minha terra, mas também conhecer a literatura portuguesa que muito admiro e estimo.

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