Dos dias desencantados

Dos dias desencantados da vida, que são alguns, há dias em que o misto de emoções habita no coração  (tal como o entende Santo Agostinho) e faz com que tanta coisa emirja e venha ao de cima. 
Dos dias desencantados onde falam as emoções negativas, onde os desejos do coração são mais fortes que a racionalidade que nos habita.
Dos dias desencantados, nos quais a nossa voz treme porque queremos chorar, nos quais não conseguimos olhar para ninguém, nos quais não somos capazes de expressar a revolução sentimental que nos desorienta. E eis que vestimos a carapaça do silêncio, dos olhares frios, das frases curtas, das lágrimas engolidas... eis que colocamos o manto da indiferença (aparente), não nos queremos desmontar porque isso demonstra a nossa fraqueza, a nossa miséria e sentimentos.
Dos dias desencantados em que nem aquilo que mais gostamos não nos dá prazer de fazer, porque nos assaltam os negativos pensamentos em que vivemos enterrados.
Sim, esses dias desencantados...
Dos dias desencantados da vida, só uma certeza existe: Ele ali está! 

Ele ali está aparentemente sozinho, no escuro do templo, ladeado por uma ténue luz e um assombroso silêncio que domina todo o lugar, que nos quer dominar e ao qual resistimos. Resistimos porque vamos com muita roupagem e muita tralha física e emocional. 
Mas com Ele não há carapaça que nos proteja porque Ele conhece-nos pelo Nome. Esse Nome que nos revela e pelo qual só Ele nos conhece... 
E choramos... porque nos dói destruir a carapaça em que nos abrigamos e dói estar nu com Ele, porque n'Ele está o nosso reflexo, está a nossa essência despida.
E eis que, depois de algum tempo, entre lágrimas, soluços, entre os choro soluçado e com os olhos quase sempre incapazes de ver, porque molhados, com os joelhos doridos a Ele nos dirigimos:
Eis-me
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua face
Mas tu és de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca
O meu coração desce as escadas do tempo
[em que não moras]
E o teu encontro
São planícies e planícies de silêncio
Escura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes o ausente.
Sophia de Mello Breyner Andreson,
In Livro Sexto 
E este ausente que se faz presente nos diz:
"AMO-TE COMO ÉS!"


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