Regressai a Mim!

Naquele tempo, o Espírito Santo impeliu Jesus para o deserto. 
Jesus esteve no deserto quarenta dias e era tentado por Satanás. 
Vivia com os animais selvagens, e os Anjos serviam-n’O. 
Depois de João ter sido preso, 
Jesus partiu para a Galileia e começou a pregar o Evangelho, dizendo: 

«Cumpriu-se o tempo e está próximo o Reino de Deus.
Arrependei-vos e acreditai no Evangelho». 


Ao contrário dos outros Evangelhos Sinópticos, o Evangelho de Marcos, que vamos ler neste domingo, no que diz respeito às tentações de Jesus no deserto, cinge-se à simples narração do acontecimento e não a contar detalhadamente o que no deserto se passou. 

Marcos cinge-se ao mais importante do que as tentações de Jesus, já que se fixa na primeira pregação de Jesus: «Arrependei-vos e acreditai no Evangelho».

Temptation | J. Richards

O tempo da Quaresma, que iniciamos na passada quarta-feira, é como nos diz um hino e eu não encontrei melhor definição. Diz assim:

Eis o tempo favorável 
que nos deu a Divindade
Para que tenham remédio
as culpas da humanidade.

Penitentes corpo e alma, 
assim Deus não nos condene
E nos leve em alegria 
à sua Páscoa perene.

Renovados pela graça,
erguei um cântico novo
Ao Pai que enviou seu Filho
a resgatar o seu povo.

Geralmente no tempo da Quaresma, falam-nos muito do pecado, mas gosto de ver as coisas da perspectiva da graça. É pela graça de Deus que nos arrependemos e não pelo medo do pecado ou das consequências do mesmo. 

O termo conversão e arrependimento têm a mesma raíz no grego (Μετάνοια) e, no grego, significa mais regresso. Quando vemos e lemos o Antigo Testamento o termo regressar (לחזור) aparece inúmeras vezes para designar o processo de conversão de Israel no deserto. 

Deserto é, por isso, um lugar muito simbólico no que diz respeito à mudança de vida e, por isso, vemos que a primeira forma de vida monástica é a do deserto e, tantas vezes, diz-se que os monges vivem no deserto do seu mosteiro. Enfim, tudo isto para justificar o simbolismo que o deserto assume na vida de Jesus e, por consequência, na vida dos cristãos. 

Gosto de um cântico que cantamos aqui no Convento, inspirado na profecia de Joel (2, 12), que diz:

  «Regressai a Mim de todo o coração. Eu sou um Deus de Ternura». 

No Novo Testamento, o Evangelho do Filho Pródigo - ou do Pai Misericordioso - é o que mais usa o termo regressar, já que é toda uma parábola sobre a conversão e os motivos que nos levam a pedir perdão. 

Regressar a Deus é ir pelo caminho que ele nos traça e, no qual, nós criamos desvios, abrimos caminhos paralelos, escavamos pequenas vias e tudo porque queremos chegar mais rápido e sem dificuldades à meta, esquecendo-nos que o caminho tem espinhos e pedras. 

Regressar a Deus é estar consciente de que não valemos a nós próprios e que precisamos dele, qual farol que indica o porto, para também nós chegarmos a bom porto, que é Ele mesmo. 

Regressar é viver em comunhão, com Ele e com aqueles que Ele ama, não nos sentindo mais ou superiores aos outros, menos pecadores que os outros, mas sabendo que a graça é distribuída conforme as nossas necessidades. 

Regressar é não ter medo de regressar a Deus, pois Ele não é um Deus Terrível, mas um Deus de Ternura que nos acolhe como filhos amados, ainda que perdidos. 

O tempo da Quaresma é um tempo de regresso, mas um regresso que se quer definitivo. Muitas vezes somos tentados a fazer uma Quaresma temporal - e incluo-me também -, abandonando certos vícios, privar-se disto ou daquilo, de não fazer esta ou aquela coisa que nos dá gozo, mas chegada a Páscoa, tudo volta ao mesmo. O regresso implica algo de definitivo, caso contrário seria apenas uma visita. Mas nós queremos regressar definitivamente a Deus e, por isso, a viver definitivamente a vida que Ele nos propõe. 

Por isso, a primeira palavra de Jesus, em Marcos, é o convite à vida em Deus: «Arrependei-vos e acreditai no Evangelho», isto é, regressai a Deus e acreditai em Mim. 

É por Ele, pela sua Páscoa, que cumprimos este longo caminho de Quaresma, no deserto da vida, cingindo-nos ao essencial, deixando de lado algumas coisas que não nos fazem assim tanta falta, para nos aproximarmo-nos do mistério Pascal.

A Quaresma é caminhar ao lado de Jesus rumo ao Pai, no qual reside a alegria e o amor, a vida e a ressurreição. 

Não faria sentido, para nós, celebrar a Quaresma se não tivéssemos como horizonte a Páscoa, não faria sentido lembrar a morte se não houvesse a certeza da Vida, não faria sentido adorar a Cruz, se não tivéssemos como horizonte a Ressurreição. É assim que o Cristão - que é positivo por natureza - tem de ver este tempo. 

A Metánoia, a conversão, está associada, em alguns escritos extra-bíblicos, à revolta, batalha, revolução, transformação. Como vêm, também isto faz parte da Quaresma. 

A nossa conversão é uma revolução interior que não nos pode deixar iguais, algo tem que mudar, algo tem que se transformar: pequenos defeitos, pequenas faltas, pequenos actos. E, para tal, é necessário criar condições. 

Por isso, criei o hábito em mim mesmo de, em cada sexta-feira da Quaresma, inspirado pelo Papa Francisco, ter um gesto de misericórdia. Esta semana, dirigi este gesto para dois campos: as saudações e as despedidas. A primeira atitude foi a de me obrigar a saudar as pessoas que se cruzam comigo, por exemplo os funcionários da Universidade, os professores, etc... A segunda atitude foi-me quase imposta já que me tive de despedir de uma pessoa que viveu comigo e porque morreu outra que conhecia. 

Assim, nesta atitude de regresso a Deus, há que entender qual a melhor maneira de o fazer e qual a melhor forma de me sentir a regressar e a caminho de Deus. 

É isto converte-se e acreditar no Evangelho: tornar a minha vida mais parecida à de Jesus. 

Pax Christi!

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